Eu era tão pequena, e ainda não havia visto os muros da cidade quando eles foram fechados porque chegaram os homens que a vieram buscar.
Ela era tão bonita. Lembro-me de quando chegou, todos temiam aproximar por aquele temor que nos gera o acima de nós, inalcançável, talvez por natural ímpeto à veneração, talvez pelo medo de não saber como se portar.
Tememos que viessem procurá-la, mas esse medo foi encoberto pela admiração de possuir, estar entre nós e ser agora de nossa cidade a mais bela. Mas era primeiro encoberto pelos discursos dos príncipes em que ela era aquela à altura de nosso príncipe e nossa era dourada então chegaria e nosso nome, diziam, seria lembrado por todos os tempos. Ílion.
Lembro-me da primeira vez que a vi. Seu cabelo estava trançado como o meu, mas diziam, e isso ouvi escondida porque falavam baixo e quando me viam chegar paravam de falar, que ela era casada. Será que o marido vem chamá-la? Tive medo. Não queria nossa cidade fazendo coisas erradas. Os deuses ficam irritados. Apolo, ouvi também, nos deixaria. Seria verdade? As pessoas para mentir usam palavras bonitas e falam alto. Sussurrando costumam dizer mais verdades. Suas tranças eram amarelas com um brilho vermelho bem suave. Ela tinha pintinhas no rosto, no peito e nos braços, mas nela ficavam tão bonitas! A vi abraçada a nosso príncipe, o que seria nosso rei. Ele dizia ao ouvido dela o que eu não consegui ouvir, mas nem precisei. Seu sorriso e como se deixava no braço dele, enquanto com a outra mão ele encostava os dedos nas pintinhas de seu rosto, já diziam que eram palavras muito bonitas.
Nossa rainha, tão linda, querida por nosso rei. Até ele ficava com o rosto mais suave quando a segurava. Parece que até ele tentava imitá-la. Queria chegar mais perto, mas seria castigada se me vissem. Queria que meu marido, eu pensava, também me deixasse soltar todo meu corpo no apoio de seu braço e seu peito, e me dissesse, baixo e só para mim, palavras que me trariam aquele sorriso dela. Minha hora chegará.
Os anos passaram, agora vejo que tão rápido se perto do que agora sou e como agora passam, e minha hora veio, meu destino com ela chegou. Veio já com a lâmina na mão, para ter certeza, penso, de que não fraquejaria, e me arrependo um pouco, pois os milênios também podem amortecer arrependimentos, de ter olhado mais para o brilho amarelo avermelhado que indicava um bom fio que para esse rosto de Neoptólemo.
Eu era tão bela, tu concordarias se me visses, mas agora aguardo neste matrimônio antigo, branca, assentada sobre a cama eterna de Aquiles.
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